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quarta-feira, 16 de março de 2016

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO PARA A MORTE:





A importância da Educação para a Morte

“ Quando alguém de quem eu gosto(…) desaparece do ângulo de visão com que o observava e da esfera de contato que me permitia tocar-lhe, quando deixo de escutar a sua voz e contar com a sua presença, é que eu verdadeiramente me apercebo do vazio arrasador que fica, do silêncio que me queima, das lágrimas que se soltam na solidão que me invade, da memória que rasga o espaço dorido da mente incomodada, da tristeza sombria que parece me arrebatar a alma, da insignificância das nossas impertinências e discussões, do quanto o aprecio e do muito que ficou por lhe dizer, ou por fazer… só então eu consigo intimamente compreender o que esse ser humano significa para mim e, eventualmente, o quanto eu realmente o amo!” ( texto retirado do livro O Desafio da Morte, Editorial Notícias, 1999, pág. 162).

Morte. Palavra curta,fria,dura…Realidade dolorosa, tão difícil de enfrentar! É comum dizer-se que da morte nada se pode dizer (uma das razões apontadas é porque nunca ninguém voltou) para relatar. Cada um(a) de vós sabe na sua mente, e sente no seu coração, que não é assim. Por isso comecei este texto com algumas palavras que escrevi no livro citado. Por me parecerem aqui adequadas. São palavras sentidas, feitas de dor, sofrimento e lágrimas mas, também, de descoberta, de alento e de amor profundo.

No seu percurso, quem não se deparou já com situações de morte de pessoas ou, até, com a eminência da sua própria morte? Seremos nós preparados, desde a infância, para lidar com estas experiências? Infelizmente, em geral, nem a família, nem a escola, os colegas ou os amigos, nos preparam para olhar de frente a morte. Então, quando ela um dia inevitavelmente nos visita, encontra-nos desprevenidos e impreparados. Nós somos “ensinados” a reconhecer o prazer, a conviver com as coisas agradáveis, a labutar pela “felicidade” mas, não somos educados para a morte nem, tão pouco, para o excelso sentido da vida. Neste contexto, é muitíssimo relevante o papel desempenhado pela Associação “A Nossa Âncora”, que eu aqui enalteço.

Recebi há pouco o n° 12 da “Amarra” e, mais uma vez, fiquei impressionado com cada um dos testemunhos aí incluídos, com a sua sinceridade, sensatez, força expressiva e sentido amoroso. Eu sou agora pai de um lindo menino e,se tentar imaginar o que representaria para mim a sua morte, penso que me sentiria no mínimo destroçado. Eis um dos pontos que aqui vou, sucintamente abordar: é normal ficarmos muito tristes e emocionalmente arrasados com a morte de alguém que nos é muito próximo ( até o próprio Cristo, na sua face humana, chorou com a morte de Lázaro). O maior desafio surge depois (caso não tenhamos refletido sobre isso anteriormente), em perguntas como: e agora? O que fazer com o que sinto? Como reagir? Como estar com outra pessoas se não quero ver ninguém?

É preciso afirmar bem alto: em primeiro lugar, é importante que quem passou por uma experiência de morte, sinta que pode deixar fluir a tristeza, chorar se houver vontade para isso, mostrar a sua revolta… exprimir a sua dor e o seu luto… sem ser criticado, silenciado, maltratado ou afastado (familiar e socialmente). Assim preveniremos traumas – psicológicos e sociológicos – que acabam, inevitavelmente, por ter uma repercussão física – a que chamamos doença. O sofrimento não é vergonhoso; ao invés, constitui, invariavelmente, uma oportunidade de aprendizagem. Precisamos aprender a escutar, criar laços de proximidade e de intimidade. Quanto vale um simples sorriso, um dar a mão, um abraço fraterno! Em muitos momentos, mais importante do que dizer alguma coisa, é preciso “estar lá” e, até através do olhar ou mesmo da postura mais simples e altruísta, mostrarmos que estamos disponíveis (para o modo como a outra pessoa quiser comunicar).

Depois, passada a fase em que as emoções afloram abruptamente, é necessário entender o significado que estas ocultam (acerca de nós e do outro), ajudar a transmutar a tristeza, compreender o que é a morte e alcançar a serenidade. Qualquer pessoa pode aprender e auxiliar outrem a crescer. É vital que trabalhemos, conjuntamente, num plano de educação para a morte, assim como se tenta educar para a vida.

Tudo é relativo e tudo se transforma, ciclicamente. Existe uma continuidade no tempo (que a morte parece negar), bem como entre a matéria e a energia, e entre o físico e o espiritual. Tudo o que existe, são diferentes formas de energia, mais ou menos sutis, expressáveis ou não em estruturas mais densas e visíveis. O que só é possível pela presença de um mediador entre os dois polos (assim unificados): a consciência. Eis algo que nos distingue como seres humanos – a capacidade de autoconsciência e de trabalhar, criativamente, com a inteligência.

A morte, como a vida, é uma presença constante. Nós podemos continuar a gostar de alguém ainda que não o vejamos durante muitos anos. A morte não nos impede de amar nem de sonhar. O que é fugaz e forçado desaparece. Mas o que é forte e verdadeiro… como pode deixar de ser imortal? Não estamos separados daqueles que amamos. Conseguirá alguém negar que as emoções e as ideias que “apalpa”, não são, em si mesmas, algo de substancial e real?

A morte pode nos levar a autoreflexão, tornar-nos mais fortes e corajosos. Se “fizermos girar o mundo a nossa volta”, esquecemos o quão limitados, pequenos e, às vezes, mesquinhos, somos. Mas poderemos ser grandes em lucidez, altruísmo, bondade e empenhamento. Se a culpa, o sofrimento, a dor, a morte são situações tantas vezes inevitáveis ou inalteráveis, no dia-a-dia, porque não aceitá-las, pensar e aprender com elas, quando estamos bem? Assim como aprendemos a ler, a caminhar, a nadar, trabalhar. Caso contrário, elas irão aterrorizar-nos e retrair-nos, tornando-se difícil entendê-las. Porque não falar natural e tranquilamente da morte, das atitudes a ter e do modo de agir, individual e socialmente, sem máscaras, na realidade?

A consciência da morte ajuda-nos a valorizar a vida, a integrar a beleza magnificente da nossa preciosa existência. E proceder, em relação a cada coisa e a cada ser, sem adiamentos, respeitosamente, e sempre da forma que pensamos ser a mais adequada. Cada momento, por mais ínfimo que pareça, é único, irrepetível e inolvidável! E cada ser humano é também único, insubstituível e incomparável! Podemos sacralizar o mais possível cada momento. Podemos expressar, o melhor possível o que pensamos e sentimos, a cada ser humano que nos é próximo.

Uma vivência (educativa) da morte, poderá levar a uma vida mais calma, intensa, tolerável, realmente alegre e digna, plena de sentido e solidária com todos os seres. Mais cedo ou mais tarde, temos que optar entre educar para a morte, para a simplicidade, para a autenticidade ou, então, educar na ignorância da morte, para a “felicidade” fátua e para a mentira.

Entre o nascer e o morrer, aquém e além destes polos, existe o viver. É fundamental ajudarmos todo ser humano, começando pelas crianças, a descobrir e a enriquecer o seu fantástico mundo interior com vivências que tornem menos duras e menos só a hora da morte.

“ Para que as crianças nasçam como seres humanos e vivam como pessoas, antes que as matem ou que se matem como seres sensíveis e inteligentes”, como disse o Profº João Santos. Para que exista verdadeira paz, para que se respeite a vida e as crianças se tornem adultas responsáveis e esclarecidas. Eis o sentido em que mais necessitamos de cooperar e trabalhar: na educação. E o que é educar senão uma forma de amar?

Abílio de Oliveira

Texto retirado da revista A Amarra do grupo A Nossa Ancora

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